quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Sobre mudanças, panelas e lembranças:


Ontem, me peguei nas lacunas do silêncio, que apenas o estar só proporciona, lembrando e (re)vivendo um sentimento mais antigo do que minha existência. Aos poucos, mas com intensidade- que sou feita disso, tenho descoberto o quão transformadora a (minha) mudança de casa tem sido.
Eu já imaginava que ME mudaria, só não sabia por quais caminhos eu percorreria. Não imaginava o que cada coisa, cada parte desse meu novo universo significaria. Todos os detalhes, mimos e presentes trazem os Outros para morar comigo. Outros lugares, outras pessoas e outros tempos meus. De fato, morar sozinha é desafiador. Pode até, quem sabe, ser assustador! Pelo contrário, para mim, tem sido uma experiência reveladora dos outros que me habitam. Desde a forma de limpar a casa, a qual minha “faxineira fascinante Clarice” faz conforme minha mãe me ensinou; é mais do que tarefa, é prazer. Agora, as pequenas tarefas do cotidiano, estão desde um outro lugar, vivem no bairro do desejo de cuidar. Zelar pelo meu mundinho, ou, como diz uma grande amiga: “Teu ninho!”
Acho bonita essa expressão. Especialmente, para uma pássara que está aprendendo a voar. E aprende-se enquanto voa. Nesse processo, setembro voou junto com toda a minha expectativa e as ansiedades do longo agosto. Longo e necessário, esse tempo de gestar o junto e o só. Assim, a despedida do meu antigo “lugar” não foi, ela segue se construindo e se transformando. Se, algumas coisas mudaram, sinto que estão sendo para melhor. Às vezes, chegamos mais perto não estando sempre.
E, ao lembrar desse processo todo vivido em agosto, penso no momento no qual recebi da minha tia uma sacola com panelas. De antemão, ela me conta que essas panelas haviam sido da minha avó. Ela as tinha guardadas e não as usava. Recebi com toda a emoção. Enfim, teria algo herdado da vó Zilda. Ontem, então, ao testar pela primeira vez uma receita nova, escolho uma das panelas para usar.
Naquele momento, enquanto misturava os alimentos, meu pensamento se descolou. Ali, me veio a certeza que ficaria gostoso. Senti que não vivo, aqui, na solidão. Melhor seria, chamar de solitude. Senti a presença no presente. Senti minha avó dentro de mim, no desejo em fazer os outros felizes através da comida. Para ela, cozinhar era um modo especial de demonstrar seu amor. Para mim, também é. Senti que sou e carrego, através da transgeracionalidade, um legado transmitido por ela aos seus filhos e aos seus netos. Esse gosto de saudade, de amor e de entrega foram os melhores temperos que eu poderia encontrar nos meus armários (ainda) um pouco vazios.

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