domingo, 16 de novembro de 2014

Despertar no “mal estar” da linguagem!


Uma das coisas que gosto de fazer, ao acordar, é tomar minha super caneca de café e ler. Normalmente, leio pelo celular, algumas notícias e artigos que me interessam. Não tenho por hábito ler os comentários, especialmente, quando as reportagens são publicadas na página da ZH e da Folha. Hoje, eu li!
A matéria era sobre os casos de nudez em Porto Alegre, mas poderia ter sido qualquer outra.  A questão em si não é o texto, mas os “testículos”. Os comentários falam do tema, não falam do texto. São opiniões fundamentadas em preconceito, no ódio, no desrespeito ao outro e à diferença. Em um dos comentários, um senhor dizia que o motivo para as mulheres andarem nuas pelas ruas, seria a falta de homem, já que no RS todo mundo é gay. Para refutar, um rapaz o chamou de machista, homofóbico... Diz que é casado, por isso não é gay, etc. etc... Zzzzzzz e no final: o chama de nordestino burro, cabeça chata!
Esse é apenas um pequeno exemplo, um recorte mal feito, do retrato da longa lista de comentários e respostas. Réplicas e tréplicas. Direitos de resposta e ofensas.  Preconceitos x Preconceitos.
De uma coisa, não reclamo: temos espaço para dizer o que pensamos, da forma que queremos.  Essa liberdade de expressão e de publicização, da qual faço uso agora é uma grande conquista do nosso tempo. Mas o que fazemos com ela? Destilamos ódio contra a diferença.
Que desprazer, porque fui fazer isso, num domingo, comigo? Sobe um “desgosto” como o último gole frio de café!  Uma imagem vem a minha mente: A “Torre de Babel” prestes a ser derrubada pela fúria dos Deuses!
O mito da Torre de Babel talvez me explique essa sensação de “mal estar”.  Construímos nossas torres virtuais, tijolos de megabytes, com cada janela de informação. A virtualidade nos aproxima através da linguagem, a presença se dá pela palavra. De um ponto a outro do Brasil, de um lado ao outro do Mundo. Uma notícia local, envolvendo uma personagem cotidiana e milhares de olhares curiosos. Não foi um desastre, não foi um tsunami, ninguém morreu, ninguém nasceu... A notícia em si, nesse caso, agora pouco importa.  O que importa é a linguagem.
Em cada post  somos feitos de palavras. As nossas, as copiadas, as refutadas. Em cada opinião dada sem ser pedida, somos nosso mito fundador. Não há um lado ou outro, estamos todos misturados. Não existem mocinhos e bandidos, bons e maus. Somos tudo isso juntos, de tudo um pouco.
O desejo não é ser compreendido e compreender o ponto de vista do outro. Não há debate, há discussão.  O desejo é ser lido, curtido e, por fim, ganhar o embate. Ter a última palavra.
Não sei ainda onde isso vai dar. Sei que não queremos retornar ao “não dito”. Sei que é belo poder ser protagonista, isto é, que a palavra não é mais um “ente iluminado dos filósofos”. A palavra está na boca e na escrita dos malditos para quem quiser ouvir e ler.

Não há um pessimismo “fim dos tempos” nos sentidos que agora construo. É apenas, mais um olhar, mais uma palavra da linguagem na qual me constituo: para quem quiser ouvir e ler. E a consciência de que a palavra não é minha pela essência, é um patchwork mal costurado do que já li, ouvi e vivi. Pelo direito a palavra, obrigada!

sábado, 15 de novembro de 2014

Estranho olhar
Uma pequena caminhada.
Uma quadra apenas.
Gente por todo lado.
Eu fujo do sol, muitos dias sem.
Estranho-me entre o desejo de viver o passeio e a lentidão de resposta do meu corpo.
Já não sabia se era tontura...
Quem sabe um devaneio?
Um Magritte ressignificado e ampliado me dizia:
"Ceci n'est pas une..." monument.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Escrever e cozinhar: alquimia de sentidos.


Escrever e cozinhar: alquimia de sentidos.

      Escrever e cozinhar, eis dois verbos que não vivo sem!  Não escrevo receitas, mas muito cozinho as palavras: As escolho se como estivesse numa feira orgânica... as sinto pelos cheiros, pelas cores e pela “dureza”. Explico: Não podem ser duras demais, a ponto de não estarem maduras. Nem tampouco moles demais, estariam passadas. O ponto certo, para mim, é aquele que conserva o frescor.       
      Palavras, também, quando são duras fecham as ideias. Tiram da mesa o convidado, não dão espaço ao outro. Moles demais, escondem o sentido no fundo da sopa. Fica difícil compreender!           
       Cozinhar algo é como preparar um texto: depende da fome, do desejo!           Há quem prefira a arte das panelas e da caneta como uma experiência particular. São pratos únicos, medidas para solteiros solitários. São pequenos diários ou folhas esquecidas nas gavetas.         
      Sou de um tipo mais sociável, como a vó que cozinha banquetes e, ao final, seu prazer é ver filhos, netos e sobrinhos lambuzando-se e desejando mais uma farta fatia de pudim. Minha fome até passa, mas a satisfação está garantida. Diria que sou um projeto de “vó corajosa”: sem medo de dar provas dos meus rabiscos ainda mal escritos de verso, prosa e música.      
     O importante também, antes mesmo de sujar o avental, é pensar na composição. Pensar em cada elemento, mesmo que provisórios, da alquimia. Ainda que, na hora do feitiço, ele fique de lado esperando para próxima oportunidade de entrar em um texto. Isso evita o estresse, o vazio de tempero e de cor.        
        O resultado... esse depende do humor! Há que se entender que o ato de cozinhar e escrever é um arranjo de sentidos. Os mais sensíveis, percebem a pitada de sal a mais, a mão pesada de manteiga que vai direto para o coração. Percebem, inclusive, um tom mais melancólico ou uma ironia discreta.            
       Nas folhas, nas telas, nas bandejas, nas mesas e  nos pratos, inscrevo-me! Deposito e ressignifico os meus dias, transformando a matéria: corto, marino, tempero, asso, escorro e misturo.  E sempre, sempre vira outra coisa através das minhas mãos.          
        A tentação é deixar o forno fechado, com o bolo cheirando lá dentro. O risco de "abatumar" é grande. Por isso, aprendi: Se tem uma coisa na cozinha e na escrita que devo respeitar é o tempo. Na pressa da fome, eu como letras.  E a lentidão da preguiça de digerir as ideias me causa desperdício de palavras.             
       A melhor parte é gritar: Vem, tá na mesa! Não demora que vai esfriar. A gente grita assim para parecer segura e experiente. Porque lá no fundo, até a vovó quer mesmo é que seus netos lembrem para sempre de suas delicias.