sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Escrever e cozinhar: alquimia de sentidos.


Escrever e cozinhar: alquimia de sentidos.

      Escrever e cozinhar, eis dois verbos que não vivo sem!  Não escrevo receitas, mas muito cozinho as palavras: As escolho se como estivesse numa feira orgânica... as sinto pelos cheiros, pelas cores e pela “dureza”. Explico: Não podem ser duras demais, a ponto de não estarem maduras. Nem tampouco moles demais, estariam passadas. O ponto certo, para mim, é aquele que conserva o frescor.       
      Palavras, também, quando são duras fecham as ideias. Tiram da mesa o convidado, não dão espaço ao outro. Moles demais, escondem o sentido no fundo da sopa. Fica difícil compreender!           
       Cozinhar algo é como preparar um texto: depende da fome, do desejo!           Há quem prefira a arte das panelas e da caneta como uma experiência particular. São pratos únicos, medidas para solteiros solitários. São pequenos diários ou folhas esquecidas nas gavetas.         
      Sou de um tipo mais sociável, como a vó que cozinha banquetes e, ao final, seu prazer é ver filhos, netos e sobrinhos lambuzando-se e desejando mais uma farta fatia de pudim. Minha fome até passa, mas a satisfação está garantida. Diria que sou um projeto de “vó corajosa”: sem medo de dar provas dos meus rabiscos ainda mal escritos de verso, prosa e música.      
     O importante também, antes mesmo de sujar o avental, é pensar na composição. Pensar em cada elemento, mesmo que provisórios, da alquimia. Ainda que, na hora do feitiço, ele fique de lado esperando para próxima oportunidade de entrar em um texto. Isso evita o estresse, o vazio de tempero e de cor.        
        O resultado... esse depende do humor! Há que se entender que o ato de cozinhar e escrever é um arranjo de sentidos. Os mais sensíveis, percebem a pitada de sal a mais, a mão pesada de manteiga que vai direto para o coração. Percebem, inclusive, um tom mais melancólico ou uma ironia discreta.            
       Nas folhas, nas telas, nas bandejas, nas mesas e  nos pratos, inscrevo-me! Deposito e ressignifico os meus dias, transformando a matéria: corto, marino, tempero, asso, escorro e misturo.  E sempre, sempre vira outra coisa através das minhas mãos.          
        A tentação é deixar o forno fechado, com o bolo cheirando lá dentro. O risco de "abatumar" é grande. Por isso, aprendi: Se tem uma coisa na cozinha e na escrita que devo respeitar é o tempo. Na pressa da fome, eu como letras.  E a lentidão da preguiça de digerir as ideias me causa desperdício de palavras.             
       A melhor parte é gritar: Vem, tá na mesa! Não demora que vai esfriar. A gente grita assim para parecer segura e experiente. Porque lá no fundo, até a vovó quer mesmo é que seus netos lembrem para sempre de suas delicias. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário